Dona Ephigenia teve uma vida de muito trabalho. Muito, mesmo! Tinha de tomar decisões muito difíceis, em meio a uma rotina já difícil.
Uma de suas condutas, em particular, deixou marcas muito fortes: Dona Ephigenia não comia manteiga, ao passo que todos os seus filhos comíamos. Dona Ephigenia comia queijo mas sabia que, se comprasse um queijo inteiro, os nove filhos comeríamos manteiga e queijo. A grana não dava para tanto. Havia queijo na mesa para todos, sim, mas só quando era possível, não para o cotidiano, situação em que D. Ephigenia comprava uma fatia de queijo para si, diariamente. Essa possibilidade não era sustentável como desejado, porque, como se disse, a grana não era muita e, não bastasse, variava de quantidade. Pois bem. Um belo dia, a manteiga sumia da mesa. Pude observar que, quando isso acontecia, a fatia de queijo já havia desaparecido havia muito tempo. Ou seja: para impor um sacrifício aos filhos, fazia-o para si, antes. Não sei se foi por causa disso que observei com admiração um colega que, trabalhando em órgão de alto escalão, propôs que um lanche, que era distribuído somente a oficiais, fosse "empobrecido" em conteúdo e ampliado em quantidade, para que fosse servido também a subalternos. A justificativa para o modo de distribuição era que os subalternos tinham horários fixos para entrada e saída, enquanto que os superiores só tinham hora para entrada, sem certeza quanto ao momento de seu almoço (o que só denotava um tanto de desorganização no trabalho). O argumento da proposta, de ampliação do lanche, era de que os subalternos saíam de casa por volta das seis horas e, conforme seu regime de trabalho, só deveriam chegar de volta à casa às catorze horas, mais ou menos. Um tempo muito grande sem alimento. Além disso, qualquer pessoa normal saliva quando vê alimentos serem servidos, ainda que se tenha alimentado em um tempo anterior não muito distante. A pessoa encarregada de organizar o lanche disse que a verba era insuficiente. Foi aí que esse colega declarou que, se não houvesse lanche para todos, no dia seguinte, não aceitaria o seu. Pois no dia seguinte houve lanche para todos, sem redução no conteúdo. Havia verba, portanto.
Por que falo dessa leréia toda? Porque o governo decidiu não antecipar a metade do décimo terceiro aos aposentados. A crise é braba, a verba é curta e a despesa muito grande, em torno de 18 bilhões. Além disso - argumentou o governo - a antecipação parcial do décimo terceiro não é uma obrigação. Só que o governo decidira, no tempo das vacas gordas, promover a antecipação, tendo conquistado a simpatia de muitos aposentados. É claro que a nova decisão gerou polêmica no próprio governo: o Ministro da Fazenda ou o do Planejamento, ou ambos, sei lá, justificavam com o impacto financeiro do pagamento. O Ministro da Previdência argumentou que era preciso pagar, porque os Ministros haviam recebido (!!!!!? Nem tanto. Isso acontece).
Se os Ministros haviam recebido, é provável que Deputados e Senadores também tivessem recebido.
Ora direis: mas o impacto financeiro desses pagamentos é muito, mas muito menor do que o impacto do pagamento aos aposentados.
Direi eu: penso que a questão não é o impacto financeiro. É o impacto moral quanto a liderança!
PS 1: Acabou havendo verba: o governo resolveu antecipar a metade do 13º aos aposentados, em três parcelas: setembro, outubro e novembro. Valeu a intervenção do Ministro da Previdência.
PS 2: Só um marqueteiro muito poderoso pode convencer-nos de que somos todos iguais e de que o Brasil é um país para todos.
Foto: Rádio Globo RJ
http://radioglobo.globoradio.globo.com/noticias-sobre-economia/2015/08/14/GOVERNO-NAO-VAI-ANTECIPAR-PRIMEIRA-PARCELA-DO-DECIMO-TERCEIRO-DE-APOSENTADOS.htm
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