Costumo dizer que me considero muito bafejado pela sorte. Tudo começou quando nasci filho de Dona Ephigenia e do "seu" Dante. Dona Ephigenia era durona, trabalhava muito e gostava de artes e de participar dos estudos dos filhos. Ora direis: e seu pai? Era uma pessoa diferente, muito voltado aos prazeres sociais da vida, trabalhador dedicado, ótimo profissional. Mas não me lembro de ter-me ensinado alguma coisa, nem de me impor que estudasse, como Dona Ephigenia fazia. Minha irmã mais velha - segunda na ordem - e minha madrinha, diz que puxei muito ao papai. Convivera pouco com ele, pais separados, tempo em que a convivência íntima entre filhos e pai fora de casa era limitada por dificuldades espaciais. Dona Ephigenia sempre recomendava - mandava mesmo - que o visitássemos. "Seu" Dante passeava conosco (falo dos três mais novos), foi com ele que conhecemos restaurantes, o Bar Simões, na avenida Afonso Pena, passeios na Pambulha (muito longe, naquele tempo dos bondes)... Mas a interação não era a mesma, no que dizia respeito aos estudos. Um mau pai? Geito nenhum! Aprendi a admirá-lo mais quando atingi a meia idade (naquele tempo, muito abaixo dos conceitos atuais). "Seu" Dante, vítima da paralisia infantil, tinha deficiências nas duas pernas. Dificuldades com o equilíbrio. Mas nunca o vi trabalhar sentado. Alfaiate, via-o sempre de pé diante do grande balcão, cigarro fumado pela metade e apagado no canto da boca, cortando ternos e calças, para distribuir para os "oficiais" e as "calceiras". Era considerado um dos maiores craques no ofício. Ao pensar sobre isto, vi que, tanto quanto Dona Ephigenia, transmitira aos nove filhos saudáveis hábitos de trabalho e superação de dificuldades, sem ter precisado fazer preleções sobre isso. Todos trabalhadores e sem medo da vida difícil. Dona Ephigenia era diferente: dizia-se rústica. E era. Trabalhava duro no que fosse preciso, pegava no pesado e no leve (costureira, produzia trajes de alta categoria). Ótima administradora, "criou" vagas de trabalho para os filhos adolescentes, organizando horta e criando galináceos e porcos. Artista, mostrava- nos os mundos da música, dos carnavais, do circo e da literatura, principalmente. Participou intensamente de meus estudos. Gostava de ensinar - ensinou a muitas crianças e jovens, que passavam pela nossa casa, os caminhos do saber, alguns procuraram-na, mais tarde, agradecendo as oportunidades que o conhecimento lhes abriu. Eu estudava em uma parte de sua mesa de costura. Sempre com a ajuda e as exigências dela (uma era a obrigatoriedade de ter sempre um dicionário ao lado). Gostava de ver-me estudando latim, dizia que era muito parecido com o italiano (filha de imigrantes). Vi-a ensinando a profissão de costureira a muitas colaboradoras.
A sorte não parou por aí. Em 1947, sete anos de idade completados em outubro do ano
Grupo Escolar "Barão de Macaúbas" |
Tenho-a na memória ainda hoje, cheio de agradecimentos e de boas lembranças.
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