Meu Deus! Tudo isso?
Permito-me contar um "causo" que é verdadeiro: era um tempo de Polícia Militar de Minas Gerais, Quartel General, na Praça da Liberdade, provavelmente segunda metade da década de 1970. Hora do lanche, capitães em divertida reunião discutiam sobre a possibilidade de ganhar sozinho na loteca. Cada um saía de sua miséria e expunha seus sonhos de rico. O Capitão Paulo Correia de Matos não se manifestou. Ficou caladinho. Alguém perguntou: e você, Paulinho, o que faria, se acertasse sozinho os treze jogos? Paulinho assumiu um ar circunspecto e respondeu:
"eu faria uma relação de todas as farras que tenho vontade de fazer. Depois, contratava uma junta médica e diria: me examinem e digam se eu vou aguentar".
Isso aí é que é sabedoria e noção de consequência.
Pois bom. Fui examinar, a título de conhecimento, o caso do deputado que foi preso em flagrante.
Assustei-me ao constatar minha total ignorância, na avaliação de assuntos político-criminais. Foi bom, porque fiquei sabendo de algumas coisinhas sobre que vejo ninguém comentar.
Comecei travando um mínimo de intimidade com o Estatuto do Partido Social Liberal (PSL).
Pois não é que o artigo 16 estabelece, dentre os direitos partidários dos filiados, o de
"manifestar-se sobre questões doutrinárias e políticas, desde que não conflitem com o regime democrático, com os princípios doutrinários e programáticos do Partido, com a Ética, Disciplina e Fidelidade, com o Estatuto ou com as diretrizes estabelecidas pelo órgão Nacional".
E mais: o artigo 17 reza:
"São deveres dos filiados ao Partido:
I - defender, respeitar e fazer cumprir o regime democrático definido na Constituição Federal, o Estatuto, o Código de Ética, Disciplina e Fidelidade Partidária, as Resoluções, o Regimento Interno e os demais atos baixados pelo Partido".
No art. 135 está dito que
"Considera-se violada a fidelidade partidária pelo filiado quando o mesmo não cumprir o que determina o art. 17 deste Estatuto ou quando o eleito pelo partido:
I - após a eleição, antes ou depois da diplomação ou no exercício do mandato, por ação ou por omissão, contrarie o Estatuto do partido, o programa partidário, o código de ética e as decisões partidárias;"
Perdoe-me quem chegou até aqui mas aprendi mais: passemos ao Código de Ética do PSL. Está lá:
"Art. 6º São deveres do filiado ao PSL:
I - manter o compromisso fundamental do Partido com a Liberdade, á democracia (sic) e a justiça social, como princípios básicos, primordiais e inabaláveis;".
E logo adiante:
"É vedado aos filiados ao Partido Social Liberal:
III - exercer atividade política contrária ao regime democrático ou aos interesses do PSL, negando apoio a candidaturas patrocinadas pelo Partido ou apoiando candidaturas não aprovadas pelo Partido Social Liberal:"
Ô sô do céu! Então o PSL devia estar entendendo que o deputado ao mesmo filiado não vinha procedendo conforme as normas do partido, uai! Não fez coisa alguma para tentar modificar, se não estivesse de acordo? Medidas disciplinares? Há previsão de várias alternativas, no Estatuto (art. 33). Até expulsão do partido!
Ah! Mas seria excessivo aplicar qualquer punição! Afinal, nada havia de grave ou ofensivo aos princípios partidários em qualquer manifestação desse deputado.
Concordo que, em algum primeiro momento, se o partido eventualmente se sentisse violado, teria sido excessivo simplesmente expulsá-lo.
Passeando mais um pouco pelo Estatuto, fomos encontrar no artigo 116:
"Compete à Secretaria de Formação Política:
II - organizar e realizar cursos, palestras, seminários, congressos, oficinas e outros eventos, visando o (sic) aprimoramento da militância do Partido;"
Não teria sido o caso de, em achando algum distanciamento do deputado das regras políticas do partido, realizar um dos tais eventos e convencer o deputado a matricular-se e frequentar? O conhecimento é preventivo.
Fica só nisso não, gente! Agora vou colar o artigo inteirinho, com seu § 3º, que é para vocês verem o que é que nós todos estamos pagando. Vamos lá:
"Art. 124. O Instituto ou Fundação de Pesquisas, Doutrinação e Educação Política é um órgão de cooperação, instituído pelo PSL, destinado a estimular e promover o debate, a pesquisa e a divulgação das questões teóricas vinculadas ao processo democrático e ao avanço social, a realizar cursos e palestras, bem como a se articular com o mundo da cultura.
§ 3º. O Instituto ou Fundação é autorizado a receber recursos do Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos (Fundo Partidário) para manutenção e execução de suas atividades de doutrinação e educação política, devendo prestar contas à Comissão Executiva Nacional do PSL e ao Ministério Público da comarca onde for sediada, na forma da lei."
Eu sabia que tinha grana nessa parada. Mas viu, gente? Tudo bem previsto e organizado. Prestação de contas e tudo.
Por acaso o deputado Daniel Silveira esteve matriculado em algum debate, ou palestra, ou curso, para divulgação das questões teóricas vinculadas ao processo democrático e ao avanço social? Ou algum programa de articulação com o mundo cultural?
Ah! O Partido não viu necessidade?
E vem agora, depois da recente façanha do deputado, propor a expulsão dele do Partido?
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