4 de abr. de 2018

AS DÚVIDAS JURÍDICAS DE UM POBRE ADVOGADIM DE PROVÍNCIA: PRISÃO APÓS CONDENAÇÃO EM SEGUNDO GRAU

O Supremo Tribunal Federal encontra-se em uma encruzilhada que nem Exu domina (e, pelo pouco que sei, Xangô não frequenta encruzas): a discussão sobre a prisão de pessoa condenada em segundo grau de jurisdição. Os Ministros precisam enfrentar a última decisão tomada a respeito, pelo próprio STF, em outubro de 2016: deve ser executada a pena de prisão, quando o denunciado tenha sido condenado por um Tribunal, em segundo grau de jurisdição.
Não pretendo discutir aqui se deve ser "sim" ou "não". Advogadim de província, tenho "cá consigo" (no dizer de um passaquatrense) que quem sabe direito é juiz. Posso pensar o que quiser, posso argumentar o quanto possa, mas quem dá a sentença é o juiz. E vale a sentença, que nem no jogo do bicho, em que "vale o escrito". E mais: como posso ter certeza sobre qualquer questão de direito se os onze magistrados da Excelsa Corte não chegam a um acordo? Discussão inútil, pois.
As questões que abordo são duas: a primeira refere-se aos aspectos da segurança jurídica. Em 2016, cinco ministros votaram em um sentido, seis em outro. Isto, por si só, já enche de dúvidas o cidadão. A segunda é "mais pior" (Latricério, personagem de Stanislaw Ponte Preta - Sérgio Porto): como é possível, em dois anos de vida daquela decisão, sem que tivesse havido modificação em qualquer norma, que algum(uns) dos Ministros que votaram possa(m) mudar de ideia? Qual a segurança do cidadão? Pensará estar sujeito ao sabor do vento? E, na sua santa ignorância jurídica - perfeitamente cabível - poderá pensar o que quiser, em face das incertezas de juristas do mais alto jaez, de ilibada conduta e notório saber jurídico.
Não é para entrar na onda do povo (mesmo porque vi ninguém do povo, de qualquer crença política, religiosa ou filosófica - vi ninguém, repito - assomar à imprensa ou à tribuna para opor-se ao encarceramento de quantos - e são muitos, de colarinho branco - com canetas - e de colarinho sujo - com armas de fogo - tiveram as ordens de prisão sustentadas pela decisão de 2016), mas vou analisar aqui o voto do Ministro Gilmar Mendes, em 2016, seja por sua segurança ao proferir aquele voto, seja porque ouvi outras pérolas, uma contemporânea, outra atual do mesmo Ministro. Transcrevo o que li em G1 (http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/10/supremo-mantem-prisao-apos-condenacao-em-segunda-instancia.html):


"Presidente, a mim me parece que aqui encerrando, não há nenhuma dúvida de que a realidade mostra que nós precisamos, sim, levar em conta não só o aspecto normativo que, a meu ver, legitima a compreensão da presunção de inocência nos limites aqui estabelecidos a partir do voto do Relator, como também - e aqui estou acompanhado - como também levar em conta a própria realidade que permite que exigir o trânsito em julgado formal transforme o sistema num sistema de impunidade. Portanto, Presidente, com todas as vênias ao voto do Ministro Marco Aurélio, do Ministro Lewandowsky, da Ministra Rosa, eu acompanho na íntegra o pronunciamento do Ministro Fachin, destacando que talvez, se formada a maioria, nós devêssemos, na linha do que já fizemos em outro momento, também converter este julgamento em julgamento de mérito, até porque senão vamos ter um outro debate sobre a eficácia deste julgamento, uma vez que estaremos apenas indeferindo a liminar. A mim me parece que coloco esta questão como uma questão de ordem para que possamos definir a mim me parece que se estamos até tarde hoje é em razão de termos uma definição e é importante então que esta decisão tenha eficácia geral, efeito vinculante. Com as vênias devidas ao eminente Relator, acompanho às inteiras o voto do Ministro Fachin.".

Naquela oportunidade, outra parte da fala do Ministro Gilmar foi reproduzida em G1 (link):


"Em seu voto, também pela prisão depois da condenação em segunda instância, Gilmar Mendes argumentou que as etapas do processo penal indicam uma gradação que permite formar convicção sobre a culpa do suspeito, após a condenação.
'Uma coisa é termos alguém como investigado. Outra coisa é termos alguém com condenação. E agora com condenação em segundo grau. O sistema estabelece uma progressiva derruição da ideia de presunção de inocência', defendeu Gilmar Mendes.".

Fui colher também um pronunciamento recente do Ministro Gilmar, em Portugal (visto e ouvido pela TV, ontem, e lido agora, em O GLOBO (https://oglobo.globo.com/brasil/gilmar-ter-um-ex-presidente-condenado-muito-ruim-para-imagem-do-brasil-22550215):


"- O Supremo tem que se preocupar com o didatismo, mas não sei se terá êxito. O Supremo tem que explicar a decisão e como ela se aplica. Nesta questão da segunda instância, por exemplo, o meu entendimento, e eu acompanhei a maioria formada então, é que nós estávamos dando uma autorização para que, a partir do segundo julgamento, pudesse haver a prisão. Era um termo de possibilidade que na prática virou ordem de prisão. Para mim, é uma grande confusão e temos que esclarecer nesta decisão. Se o juiz, a partir da segunda instância, pode prender, ele tem que fundamentar, dar causa. Se há automaticidade, nós já temos outro quadro. Há uma grande confusão e é importante o tribunal esclarecer - declarou."

Data venia, Ministro Gilmar, que confusão Vossa Excelência acha - declarando - que "é importante o tribunal esclarecer"? A que Vossa Excelência deitou sobre o assunto? A dúvida sobre se o STF poderá ter êxito, no se preocupar com o didatismo (mas não sei se terá êxito)? Vossa Excelência pode afirmar que tem sido didático? O dizer que "não há nenhuma dúvida" de que "exigir o trânsito em julgado formal transforme o sistema num sistema de impunidade"? Esclarecer a dúvida se há, no sistema jurídico brasileiro, hipóteses de "trânsito em julgado formal" e "trânsito em julgado informal"? Esclarecer dúvida sobre as falas "é importante então que esta decisão tenha eficácia geral, efeito vinculante" e a fala mais recente de que "Era um termo de possibilidade que na prática virou ordem de prisão"? Esclarecer para nós - pobres mortais - se "eficácia geral" e "efeito vinculante" podem significar "termo de possibilidade"?
Na minha santa ignorância, Ministro Gilmar, penso que é Vossa Excelência - e não qualquer tribunal - quem tem de esclarecer essa confusão que pessoal e explicitamente deitou sobre o assunto.
Data venia, senhor Gilmar, não me venha com seus borzeguins ao leito!

Imagem: PONTO DE VISTA COM NELSON FREIRE
https://www.pontodevistaonline.com.br/principio-de-incendio-atinge-anexo-stf/

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