Para meu amigo Armando, o Bigodudo de Tamancos era o Português - idioma. Sempre que alguém escorregava no vernáculo, Armando observava: "mais cuidado com o Bigodudo de Tamancos".Ontem, assistindo a um programa de TV, uma âncora das mais prestigiadas na mídia, com muito tempo de praia na área do jornalismo, informou que a CGU - Controladoria Geral da União - havia declarado a Delta inidônea para prestar serviços ao Estado, em qualquer dos níveis. Disse a âncora que isto significava que a Delta ficava na situação de inidoniedade. Repetiu a expressão mais de duas vezes, chegando até a assinalar, quase escandir: i - ni - do - ni - e -da - de.
Assustou-me. Será que mamãe esteve sempre errada, quando dizia inidoneidade? Mamãe, apesar de ter cursado apenas até o quarto ano primário (entre 1914 e 1918), conhecia o Português de Tamancos com muita intimidade. Mas tudo é possível. Quando digitei inidoniedade, o Google puxou-me as duas orelhas, com aquela autoridade: "você quis dizer: inidoneidade".
Apesar do puxão de orelhas, mostrou-me várias referências a inidoniedade, em revista jurídica de expressão, com citações de decisões de Tribunais - o Regional Federal, o Regional do Trabalho, o de Justiça do Paraná... tudo fazendo referência a inidoniedade. Pirei! Será que aprendi tudo errado? Ponderei que já vi uma ata de audiência, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal, assinalando que o reclamante alegara que "deu pânico no computador", o que me fez objetar que deu pânico no meu cliente, que não conseguiu sacar em caixa eletrônico, que sofrera pane. Chamei a atenção para o fato e a juíza disse que não tinha a menor importância. Ficou pânico. Pode ter sido influência do Gordurinha (compositor que, pela idade da juíza, não deveria ter sido conhecido por ela), que disse que, em viagem aérea, dera "pânico no motor" (de propósito). Vi, também, uma petição de advogado dizendo que o juiz "monocromático" não andara bem em decisão que estava impugnando. Se tivesse google, teria objetado, em resposta a consulta: "você quis dizer: monocrático". Monocrático, para quem não é do ramo, é um juiz único, única autoridade no processo, diferente dos tribunais, em que o julgamento é feito por três juízes, pelo menos. Matutei que "juiz monocromático" pode ser um negão de toga. Posso sofrer invectivas, dizendo que se trata de racismo. Não é. Não consigo dizer para minha cabeça: "não pense besteira". Tem hora que, depois de pensar, é preciso falar.
Minhas viagens não me trouxeram satisfação. Insisti, porque encontrei o yahoo perguntando o que é inidoniedade, e algumas pessoas respondendo, como se tratasse de inidoneidade. Continuei pesquisando, até encontrar, em MyMemory: "Computer Translation - Portuguese - inidoniedade - English - inidoniedade".
Ah! "Igualzim!". Até tribunais superiores andam registrando um termo que, no vernáculo, é inidoneidade, como inidoniedade, como em inglês. Devem estudar muito o inglês. Esquecendo do Bigodudo de Tamancos.
Para arrematar, fui ao Aurélio. Encontrei inidoneidade: qualidade do que não é idôneo; sem idoneidade. A referência é a mesma, no Houaiss.
Se não me engano, os caras da linguística entendem que, dando para entender, vale tudo. Posso concordar, quando seja proposital, para expressar algo diferente. Por ignorância ou adoção de expressão estrangeira, não. Os adeptos da globalização, dizem que se trata do dito fenômeno. Também só irei concordar quando conseguir comprar programas de computadores com informações em português, ou vender suco de laranja com informações em português. Fora disto, é imperialismo.
Se a âncora do jornal televisivo tivesse conhecido mamãe, teria falado inidoneidade.
Penso, mesmo, é que a vaca está indo pro brejo.
Imagem: Jura em Prosa e Verso.
http://www.juraemprosaeverso.com.br/FotografiasEDesenhos/Desenhos.htm
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