"No recurso, a AGU disse que o impedimento da posse da deputada como ministra gera interferência do Judiciário em uma função que compete ao presidente da República. 'A Constituição Federal é clara ao estabelecer a competência do Presidente da República para nomear e exonerar ministros de Estado (...) Ou seja, cabe somente ao presidente da República o juízo sobre quem deve ou não ser nomeado ministro de Estado, especialmente porque não há qualquer impedimento legal no que tange à nomeação da deputada federal Cristiane Brasil." (destaque em negrito nosso).
Já que a AGU fez referência ao "livrinho", vamos lá. De fato, encontramos ali:
"Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
I - nomear e exonerar Ministros de Estado;" (negrito editado).
Aí, vem o néscio advogadim de província e pergunta, curioso: mas aonde foi que o Juiz que suspendeu o ato de nomeação praticou ato privativo do presidente da República, nomeando alguém para o cargo de ministro, interferindo, dest'arte, em uma função? Não, sô! O Juiz exerceu outra função. Suspendeu um ato do presidente. Não praticou outro ato, substituindo o que decidiu suspender.
A pergunta cabível, penso, seria: o Juiz tem competência para fazer o que fez? Sem essa de dizer que "cabe somente ao presidente da República o juízo sobre quem deve ou não ser nomeado ministro de Estado". Fosse assim, o presidente da república seria intangível por seus atos. E não é!
Vejam lá, no no art. 84, que a CF não se refere a essa intangibilidade, essa liberdade ilimitada para nomear, conforme o "juízo" do presidente. E se o presidente estiver fora de seu juízo? Impossível isto? Claro que não!
Prefiro louvar-me - ainda conforme a ignorância de advogadim de província - no art. 5º da Carta, que estabelece que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:". Dentre esses "seguintes termos", iremos encontrar:
"XXXIV - são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder;" (grifo nosso).
"XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito:".
Pergunta-se, então: a interferência do Poder Judiciário é legal ou ilegal? Quer-me parecer que é legal. Temos visto inúmeros atos de presidente da república sendo anulados desde o juízo de primeiro grau (e até pelo STF, nos respectivos recursos). Um exemplo está em várias ações movidas contra atos pretéritos de presidentes, nos tais "planos econômicos". Não vi quem quer que fosse vociferando contra decisões judiciais, nesses casos.
Mas vamos em frente. O grupo de advogados trabalhistas que, segundo a imprensa, impetrou a ação, tem legitimidade? Parece-me que o direito assegurado pela Carta, a todos, de petição contra ilegalidade ou abuso de poder, remete os interessados a quem? Ao Poder Judiciário, evidentemente.
Tanto é assim que a CF cuidou de não excluir da apreciação do Poder Judiciário - nem mesmo através de lei - lesão ou ameaça a direito.
Perguntar-se-á: mas que direito de cidadão está sendo ameaçado ou lesado por uma "mera" nomeação para o cargo de ministro?
No artigo 1º da CF, incisos III e IV, o legislador constituinte cuidou de fixar como princípios do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.
Não será ameaça à dignidade do trabalhador e aos valores sociais do trabalho a nomeação, para Ministra do Trabalho, de uma pessoa - que pode ser caracterizada como delinquente trabalhista - condenada duas vezes por ilícito trabalhista? Segundo o G1, ontem (https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/trf2-nega-recurso-da-agu-para-garantir-posse-de-cristiane-brasil-no-ministerio-do-trabalho.ghtml), ..."o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT1) determinou a inclusão do nome de Cristiane Brasil no Banco Nacional dos Devedores Trabalhistas (BNDT), situação que poderá ser minorada porque a deputada devedora depositou 30% do valor da dívida e comprometeu-se a efetuar o pagamento (G1).
Na esteira dos termos da decisão suspensiva do ato de nomeação, não há como passar por cima do art. 37 da CF, que fixa a moralidade como um dos princípios da administração pública. Excerto da decisão, fonte o mesmo já citado G1:
' "Em exame ainda que perfunctório, este magistrado vislumbra flagrante desrespeito à Constituição Federal no que se refere à moralidade administrativa, (...) quando se pretende nomear para um cargo de tamanha magnitude, ministro do Trabalho, pessoa que já teria sido condenada em reclamações trabalhistas, condenações estas com trânsito em julgado, escreveu Couceiro'.".
Data venia - como gostam os juristas de elevada cepa - penso que o presidente da república não pode ser o único detentor do juízo "sobre quem deve ou não ser nomeado ministro de Estado", como afirmou a AGU, segundo G1. Isto só poderá estar escrito na Cartilha do Arbítrio.
Lembro-me que, na juventude, e mesmo na meia idade, ouvi muito falar, a respeito de acesso ao serviço público, em "reconhecido saber e ilibada conduta".
Temo que o significado da expressão "moralidade", para muitos administradores públicos, não seja o mesmo que lhe terá sido conferido pelo Legislador Constituinte na nossa decantada Charta Magna.
PS: É! Do jeito que o Brasil está sendo andado, só mesmo um Couceiro para aplicar tremendo pontapé nos absurdos que estamos vendo praticados.
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