Estamos fartos de ouvir que "não vende". É um jargão gasto, para tentar justificar a falta de cuidado com nossas raízes culturais. Sabemos que a juventude não se liga muito naquilo que podemos chamar de "música clássica brasileira". Como se ligar, se não lha oferecemos?
Essa história de "não vende" parece-me balela. Sempre que se oferece música antiga vejo pessoas que gostam. Chico Buarque, Caetano, Djavan, Milton Nascimento - todos já estão no panteão da música antiga - enchem as casas de espetáculos. Mas já caem naquele espaço das minorias - minorias que também devem ter suas preferências atendidas.
Ainda há alguns redutos da "música clássica brasileira". Alguns produtores já começam a identificar espaços. Pequenos, ainda, mas com tendência a crescer. Não acredito que tome a dimensão das baladas e das festas de rodeio. Nem me parece bom, nem tenho inveja.
Um fato que me tem agradado é a edição de vários livros sobre músicos e compositores brasileiros. Pode ser uma coisa ainda tímida, mas está evoluindo.
Hoje, às seis e meia da manhã, assisti ao Sarau. O tema era Nara Leão. Falou-se de um livro biográfico. Não o vi ainda. Não sei se já foi lançado. Mas estou de olho.
Sei que, dentre os jovens, já existe um nicho de apreciadores e praticantes da "música clássica brasileira". O Ministério da Cultura está promovendo um concurso para homenagear o centenário do nascimento de Luiz Gonzaga. É uma belíssima iniciativa, só que passageira. Decide-se o concurso, as obras são levadas a palcos, livros, etc., e volta a obra do Lua a ser coberta pelo manto do esquecimento. Com Adoniran Barbosa (2010) foi assim.
Penso que, constituindo-se elemento forte da cultura brasileira, os grandes compositores de todos os tempos - os atuais, inclusive - deveriam ter espaços financiados pelo Ministério da Cultura nas emissoras de rádio e de televisão. Afinal, o MinC financia tanta coisa... Não precisa ser como na Rádio Inconfidência de Belo Horizonte - a brasileiríssima - que dedica seus espaços à nossa música popular. Foi através dessa rádio que formei minha memória musical.
Só a oferta ampla da "música clássica brasileira", principalmente para crianças e adolescentes, desde a escola, será capaz tornar nossa memória musical uma coisa dinâmica, viva, portanto. A forma consagrada é, indubitavelmente, aquela adotada pelas escolas de samba - desde antes dos tempos do Samba do Crioulo Doido, no qual Stanislaw Ponte Preta salientava a pouca escolaridade dos compositores de sambas de enredo: transmissão da cultura, ao vivo, de geração para geração. Rildo Hora reportou isto muito bem, no samba "Os meninos da mangueira":
"E a velha guarda se une aos meninos lá na passarela,
abram alas que vem ela, a Mangueira toda bela; ...
e onde é que se juntam o passado, o futuro e o presente,
onde o samba é permanente, na mangueira, minha gente".
É muito desconfortável que uma Escola de Samba seja capaz de manter viva sua cultura (sabe-se das dificuldades financeiras dessas entidades, ao tempo em que esse samba foi composto; hoje, não sei) e o Ministério da Cultura não ser capaz de fazer o mesmo com a memória nacional.Nota dissonante na pesquisa que fiz (gosto de conferir a memória): vi em um site que os autores da música são Tom Jobim e Chico Buarque. Minha memória lembra de Rildo Hora. E o crédito é dele no site terra.mus (www.letras.mus.br).
Sou obrigado a citar Nei Lopes [sambista muito invocado, escritor das coisas dos negros e do samba no Brasil, incluindo Kitábu, o livro do saber e do espírito negro-africano (2005), Partido-alto, Samba de Bamba (2005), Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana (2004) e Novo dicionário Banto do Brasil (1999)], no samba "Coisa da Antiga" com Wilson Moreira, voz de Clara Nunes (há um crédito para Nilze Carvalho, como cantora, parece-me; minha memória de autoria é dos dois citados):
"Hoje mamãe me falou de vovó, só de vovó,
disse que, no tempo dela, era bem melhor,
mesmo agachada na tina e soprando no ferro de carvão,
tinha-se mais amizade e mais consideração,
disse que, naquele tempo, a palavra de um mero cidadão
valia mais que, hoje em dia, uma nota de milhão,
disse, afinal, que o que é, de verdade, ninguém mais hoje liga,
isso é coisa da antiga".
Foto: A Morte na Historia.
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