13 de out. de 2012

ESPÉCIE ESPORTIVA

Cada espécie tem a sua linguagem. Até as plantas. Não raras vezes a linguagem serve a algum tipo de disfarce. Animais fingem-se de galhos secos, para poderem atacar presas desapercebidas; peixes fingem que suas línguas são apetitosas lagartas (ou coisas parecidas), para aproveitarem-se da gula de outros peixes que, na hora do ataque, viram presas. E assim por diante. A linguagem abusa, também, dos eufemismos. Maneira delicada de dizer algo desagradável.  
É o que vejo, freqüentemente, em programas televisivos, mostrando o que chamam de pesca esportiva. É uma modalidade esquisita: fisga-se o peixe, retira da água, mede, pesa, comenta, tira foto com ar de vitorioso, e
devolve o coitadinho para a água. Esse último gesto parece magnânimo: retornar à natureza o que a ela pertence. Então, apelida-se de pesca esportiva. Maldade pura. Já vi pescadores eventuais devolverem peixes pequenos à água. Mas sempre com explícita má intenção. Dizem: “vai crescer que quando estiver grande eu volto”.

Agora, o que vi, em um desses programas “esportivos”, foi “demais para os meus sentimentos, tá sabendo?” (expressão que copio do Chico Anysio): em uma dessas pescas "esportivas", focalizaram a pesca do piau. Peixe nada dócil. Fisgado, luta ferozmente para se libertar. Os pescadores gostam porque, em absoluta condição de desigualdade, medem forças com o peixe. Fisgam o peixe. Usam de artimanhas para evitar que ele afunde. Cansam o peixe. Acabam conseguindo tirá-lo da água. Vencem. Sempre com violência. Sentem-se heróis. Pura maldade, ainda. Maldade maior foi a expressão usada pelo comentarista do esporte, louvando as qualidades do piau. Fez a referência: “...essa espécie esportiva de peixe...”.
Espécie esportiva por que, uai? Porque luta para sobreviver? Isto lá é esporte? Será que o comentarista acha que o pescador combinou a prática do esporte com o peixe? Entendo como esporte a disputa entre duas pessoas ou equipes, uma disputa combinada e regulamentada. Na maioria das vezes, os contendores divertem-se com a contenda. Mesmo quem perde, creio, porque os perdedores sempre voltam a outras disputas esportivas. No caso da pesca, parece óbvio que o peixe não aderiu voluntariamente. E que, se retornar à água, e dependendo de sua vontade consciente (que parece não resistir a uma minhoca), jamais voltará ao anzol. Irá buscar minhocas no lodo do rio. Então, isso lá é esporte?

Foto exibindo troféu: QUISTY.

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