Início da madrugada, 30 de outubro de 1939. Cheguei aos cinco minutos.
Devo ter-me encantado com a lua e com as estrelas, pois gosto delas até hoje. Notívago de fé! Não acho que a lua seja romântica. Românticos somos nós que a apreciamos admirados, maravilhamo-nos com as estrelas... Não quero acreditar que a lua e as estrelas nos façam ficar românticos. Prefiro crer que nós românticos somos os que chamamos a atenção para a beleza do firmamento.
Contemplar o céu, desde pequenino. Minha mãe contava que, por volta dos cinco ou seis anos, chamei-a a uma varandinha de fundo em nossa casa, para que visse uma coisa muito bonita. Acompanhou-me e ficou sem saber de que se tratava. Perguntou-me o que eu estava achando tão bonito. Apontei para o céu. E olha que minha mãe conhecia muito do céu, estrelas, constelações, admirava a via láctea... Sempre do ponto de vista romântico, nada de ciência.
Pensando sobre isto, há dois ou três dias, pensei, também, em alguns fatos que acho relevantes em minha vida, principalmente alguns que poderiam ter mudado radicalmente meu modo de ser.
Primeiro, pensei que minha mãe aplicou-me duas grandes surras, em toda a minha vida (era muito brava!). Desde a aplicação dos castigos passei a pensar sobre eles e os resultados. Achei que uma das surras foi injusta e aplicada fora de hora (normalmente, aplicava em cima do fato). A outra achei que fora justa e aplicada corretamente. A errada mudou meu modo de ser. A certa mudou nada. Continuo parando para ver, fascinado, um camelô, uma brincadeira de rua.. ou seja, quase sempre há alguém me esperando.
Desses pensamento, passei para outros, bem mais sérios.
Minha mãe contava que, por volta dos cinco anos de idade, ou seis, se tanto, cheguei a ela furibundo e perguntei onde havia uma faca. Perguntou-me: "para que você quer uma faca?". Eu: "para fincar na Maria". Não me lembro desse fato. Assusta-me que eu poderia ter-me tornado um homicida. Pensei nisto sempre. Desde há muito tempo, tenho a consciência de que há, dentro de mim, um bicho muito grande e muito feio. Tive de puxá-lo pelo rabo, muitas vezes. Tenho conseguido, até hoje.
Mais tarde, escola primária. Tive muita sorte por ter tido pessoas muito inteligentes por colegas, além de uma professora espetacular, durante os quatro anos. A gente tinha de ter um caderno de rascunho, no qual copiava os pontos de todas as matérias; e um caderno para cada matéria, no qual a gente passasse os pontos a limpo. Tinha tudo na cabeça. Passei com dez nos quatro anos (aliás, com nove em um, porque, doente, não fui fazer a prova final). Mas passava nenhum ponto a limpo. Um belo dia, a professora determinou: todo mundo coloque o caderno de geografia sobre a carteira (por exemplo, não me lembro ao certo); vou conferir se estão em dia; os alunos que não estiverem em dia ficarão mais meia hora na escola, até colocar em dia. Pensei: puxa vida! vou ficar depois da aula até o final do ano. Mas a professora conferiu os cadernos dos quatro alunos da primeira fileira. Estavam em dia (hoje, diríamos atualizados). Determinou, então, que cada um deles verificasse os cadernos dos colegas de sua fila. Foi o bastante para que eu tomasse o meu caderno, abrisse pra lá do meio e escrevesse um finalzinho de ponto, não mais do que dez linhas, na página da esquerda. As páginas anteriores todas em branco. Deixei-o bem aberto sobre a carteira. O colega conferiu e deu ok. Escapei do pós aula, até o fim do ano. E não me lembro de ter atualizado o caderno. Poderia ter-me tornado um estelionatário. Raciocínio rápido, frieza...
Aos catorze anos, ingressei na Polícia Militar de Minas Gerais, na Escola de Formação Musical. Após aprendizagem de teoria e solfejo, fui para a Banda de Música, onde me entregaram um sax soprano, que acabei estudando por pouco tempo, porque segui para outras paragens. Nesse tempo, para fazer lanches na cantina do batalhão, eram fornecidos "vales de cantina", cujos valores seriam descontados dos vencimentos, claro. Um dia, um colega perguntou-me se eu tinha cinco cruzeiros. Disse que sim. Propôs-me dar dez cruzeiros em vale de cantina pelos cinco em dinheiro. Topei. Cem por cento, cara! Indo à cantina, vi uma pessoa que estava lanchando tirar dinheiro do bolso para pagar. Perguntei-lhe se não se importava de dar-me o dinheiro e pagar com meu vale de cantina. Topou. Fiz isto outras vezes e troquei os dez cruzeiros em vales por dez em dinheiro. Daí a voltar à banda de música e trocar cruzeiros por vales foi um pulo. Nova operação e lá estava eu com vinte cruzeiros em dinheiro, cantina, dinheiro, cantina, dinheiro... Cem por cento em cada operação, sem ter investido um centavo! Verifico que poderia ter-me tornado um agiota, quem sabe um banqueiro...
Concluo que Deus existe e tem um de seus milhões de olhos voltado para a minha pessoinha. Ou para me ajudar, ou para impedir que O atrapalhe.
Imagem:
2 comentários:
Topei. Cem por cento, cara!
Adorei.
Mas afinal, quais foram os motivos da surra?
Cê acha que eu vô ispaiá? Depois te conto, uai! Beijão!
Postar um comentário