14 de mai. de 2014

BRASÍLIA, ONDE O JEITO É ANDAR DE RÉ

Reproduzo texto de minha autoria, publicado no jornal "Estado de Minas", sucursal de Uberlândia, em 22/08/1986, sob  título acima.

Tem lógica, sim!
Centro das decisões nacionais, lugar onde estão, pelo menos teoricamente, as melhores cabeças pensantes deste nosso país, Brasília parece, também, um centro de contradições.
Começa pelo clima: a cidade vive, a cada dia, as quatro estações do ano. E como venta no outono de Brasília, que começa ali pelo princípio da tarde. O vento varre, forte, os grandes espaços que ficam entre o Conjunto Nacional e o Setor de Diversões Sul. Não é menos forte no Banco do Brasil e na Caixa Econômica Federal. Ali entre os Ministérios e o Congresso, então, nem se fala!
Foi por causa do vento muito forte que vi gente andar de ré. Pior: eu me vi andando de ré! Passando por ali, lembrei-me de reler uma carta que escrevera ao Luiz Gatão, antes de colocá-la no correio. Foi a conta de o vento dobrar o papel ao contrário, ameaçando arrancá-lo de minhas mãos. Achei a solução depressinha: dei um giro no corpo e alguns passos em marcha-a-ré fizeram inverter, de novo, a dobra do papel que o vento forçava, agora em sentido contrario.
Mais tarde, passando pelo mesmo lugar, verifiquei que não era o único dono daquela solução. Um rapaz vinha lendo um jornal que o mesmo vento quase virou pelo avesso. O cara fez a manobra que eu "inventara" e deu alguns passos em ré. O jornal retornou à sua posição adequada. Mocinha de cabelos longos, que o vento assanhava mais que o desejável, solucionou da mesma forma: alguns passos em ré, e pronto! Cabelinho nitinho de novo!
O Poder esmaga a Fé
Fiquei pensando no Congresso e nos Ministérios. Venta demais, também ali, onde se decide sobre os mais graves problemas do Brasil, de onde saem os pronunciamentos mais alvissareiros: "vamos conter a inflação!" (a inflação dispara!); "O Governo não vai permitir a alta exorbitante do café!" (o preço do café vai aos tais três dígitos!): a corrupção vai ser combatida sem tréguas!" (cala-te boca! leva algum e não se fala mais nisto!).
Parece o centro das contradições.
Mas não é! Deve ser o vento.
Não é que, quando as decisões estão sendo tomadas, na melhor das intenções (calçamento de todo o piso do caminho que leva ao inferno), eis que bate forte e impiedoso o vento de Brasília, obrigando todo mundo a andar de ré?
É! Só pode ser o vento!

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