23 de mai. de 2014

AS CIGANAS DA PRAÇA TUBAL

Crônica do autor do blog, publicada no jornal "Correio de Uberlândia", em 17/01/1989, pág. 2.

A imagem que tenho do cigano é a do andejo. Aliás, parece-me que esta é a imagem comum, tanto que
se usa uma expressão como significado de outra, quando se quer designar um indivíduo que não tem paradeiro. Diz-se que é um cigano.

E é a própria índole dos ciganos que induz a esse entendimento. Povo essencialmente nômade, representa a romântica figura da liberdade, da ausência de rota e de porto. Cidadãos do mundo, donos dos caminhos, sem peia nem destino. Uma filosofia de vida que caracteriza um grupo social, quase uma raça.
Mas ha ciganos estacionados em Uberlândia. Não se sabe por quê, pararam por aqui e ficaram pintando no cenário da cidade um quadro pitoresco de barracas que contrastam com as casas comuns de um bairro de classe média-alta, eles próprios donos de algumas dessas casas, tendo, no entanto, seus badulaques e suas tradições aninhados nas barracas.
O exercício das profissões peculiares daquela gente enfeita a Praça Tubal com as roupas extravagantes, os lenços nas cabeças, os colares e as pulseiras das ciganas, "buenas dichas" a apregoarem o seu trabalho de ler a sorte.

Foram essa presença das ciganas na Praça Tubal Vilela e a sua atividade adivinhadora, prometendo casamento às coroas, 
exorcizando o fantasma da impotência sexual que assombra os quarentões, prevendo vida longa, sólida situação financeira e amores sinceros e duradouros para os jovens sonhadores que me levaram a meditar sobre o verdadeiro papel dessas ciganas: exploradoras da credulidade dos incautos ou instrumentos geradores de um nível ideal de expectativa de felicidade?
Minhas elucubrações levaram-me à Lei das Contravenções Penais, que define como ilícito o ato de "explorar a credulidade pública mediante sortilégios, predições do futuro, explicação de sonho, ou práticas congêneres".
Mas, então, as ciganas da Praça Tubal são foras-da-lei? E praticam seus atos ilícitos ali nas barbas dos homens?! Mas isto é um absurdo! Ledo engano, meus amigos. As ciganas da Praça Tubal são "umas anjas", se comparadas com os muitos exploradores da credulidade pública que pululam por aí.
Ah! É, uai! Pois o Funaro não disse, na televisão, que o plano cruzado ia salvar o Brasil? E salvou? E o Presidente não fez repetidos pronunciamentos, pela mesma televisão,  e em cadeia nacional, prevendo que a corrupção vai acabar? E acaba?
E, diante da impossibilidade de voltar a mesma cigana, que já se equivocara na primeira predição, não veio depois o Bresser dizer que, daquela vez, era para valer? E foi para valer, mesmo?
Era época de campanha política e tornava-se indispensável ganhar pontos nos gráficos estatísticos medidores da credibilidade abalançada pelo fracasso.
E não vieram os políticos, candidatos ou não, repetindo o que já haviam prometido em campanhas anteriores, antevendo, em palanque, um futuro radioso e uma qualidade de vida que nunca se concretizam?
E não vem, agora, no limiar da campanha da sucessão presidencial, o Maílson (era preciso uma nova cigana para anunciar a boa nova) atacar de rijo, com um novo pacote, o verdadeiro salvador? Dá para acreditar?
Tadinhas das ciganas da Praça Tubal! Simples amadoras! Fazendo o seu trabalho na maior simplicidade, um crédulo de cada vez, na maior desvantagem com as ciganas do Planalto e de outras cortes, que podem usar a televisão, fazendo suas predições para milhões de crédulos, ao mesmo tempo, em cadeia nacional. Tudo por amor ao Brasil! Ao contrário das pobres ciganas da Praça Tubal, que fazem o mesmo mas é a troco de alguns míseros cruzados (centavos, em breve), para garantirem o leitinho das crianças.

Imagem: iStock, no pixabay.
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