Alçando vôo, pude ver Belo Horizonte, lá de cima. Imediatamente, identifiquei uma imagem que se salientava, com nítido desenho do mapa do Brasil. Sul, sudeste, centro oeste, bem delineados por ruas curvas. Não bastasse isto, aquele tipo de avião, hélice girando à minha direita, voando bem mais baixo do que os grandes jatos em cruzeiro, iria me oferecer visões variadas da paisagem no solo. Começava, ali, uma viagem paralela.
Pouco à frente, um percurso sobre nuvens, uma longa extensão plana. Como seria bom deitar e rolar naquele imenso colchão! Sozinho, uma grande delícia! Com a mulher amada, um delírio! Não pude deixar de pensar que a viagem paralela que um vôo desse tipo proporciona é muito mais agradável que o simples percurso e custa nem um centavo. Viagem que seguiu agradável. O colchão de nuvens foi ficando distante e, agora, eu podia ver o solo. Região montanhosa, parecendo desenhos surrealistas: aqui, pequenas depressões paralelas, o conjunto delas formando solados de botas, davam a impressão de ter passado por ali um enorme gigante, deixando pegadas; mais além, vales cobertos pela cerração, como fumaça, nas partes mais próximas, parecendo riachos, nas mais distantes; bosque margeando um riacho, mostrava, à direita da água, um colo suave e, à esquerda, uma forma semelhante à de um golfinho saltando; e bundas, muitas bundas, de todos os tipos e formas: grandes, pequenas, gordas, gorduchas, magrelas, saradas, com estrias, celulite... enfim, bundas para todos os gostos. E mamelões! Ah! Mamelões! Meus instrutores de topografia militar (lá se vai mais de meio século) ensinaram que elevações no terreno, parecidas com seios de mulher chamam-se mamelões. Não é fácil ver dois juntos. Mas mamelão é mamelão e as aulas tinham muito mais de erótico do que de topográfico.
De repente, a voz do piloto, pelo alto falante, anunciava que estávamos em região que tinha, à esquerda, a cidade de Araxá e, à direita, Patos de Minas (onde moro). Tentava identificar algo no solo, mas chegava a lugar nenhum. Continuei minhas observações e verifiquei que havia mais sinais de água, uma rede de bosques ciliares. As cerrações em vales eram mais numerosas – disto eu sei, a região apresenta muitas áreas de cerração.
Volta a voz do piloto, agora para dizer-me: “Ô, sô! Vai voltar para o avião e descer conosco em Uberlândia? Ou continua essa sua viagem maluca aí?”
Agora, a topografia era mais monótona: partes mais planas e muitas plantações. Achei que era hora de voltar ao avião e descer em Uberlândia. Quando decolasse dali para Ribeirão Preto, talvez me oferecesse outra oportunidade paralela.
Não deu outra. Sobrevoamos grandes reservatórios de água. Achei que estivesse passando por Nova Ponte. Não sei se era mesmo. Passei a observar, a partir dali, um foco luminoso no solo, movimentando-se na velocidade em que parecia mover-se o avião. Era reflexo de algum ponto da própria aeronave. Em pleno dia, dava para ver esse foco luminoso. Às vezes, atingia um veículo e uma parte qualquer do mesmo refletia o sol, faiscando. Segui esse foco luminoso durante algum tempo. Quando vi uma via que pensei ser a Anhanguera, o piloto quase me trouxe de volta e informou que nos aproximávamos de Ribeirão Preto, e que preparava a descida. Com o início da descida, o foco luminoso ganhou, aos poucos, uma outra imagem: a sombra do avião, dentro do foco. Sombra que, à medida que descíamos, aproximava-se, crescendo. Aproximava-se e aproximava-se. Agora, era sombra apenas, até que, na cabeceira da pista, encontraram-se avião e sombra, seguindo juntos pela pista. Fiquei em Ribeirão Preto. O avião seguiria viagem, segundo roteiro programado. Eu continuaria seguindo por onde minha imaginação mandasse.
Foto: Autor do cadikim
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