Acabo comprando livros, também. Desta vez, "O Brasil em Campo", de Nelson Rodrigues, organizado por Sônia Rodrigues, filha do escritor, dramaturgo, o diabo.
Nelson Rodrigues foi uma de minhas leituras prediletas, na juventude, tanto sobre o cotidiano - "A vida como ela é" -como sobre esporte, em crônicas diárias. Não resisti. Vejo que muita coisa escapou-me.
Nelson Rodrigues é chocante, de propósito, claro. Exagerado? Sei não! Muita lógica. Enfiando filosofia, sociologia e, principalmente, a alma do brasileiro em uma e outra modalidades.
Estou diante de "O grã-fino não quer nada com o Brasil". Conta que foi a uma festa, em um palácio, na Gávea. Era o único plebeu, o que o levou a entrar com uma secreta depressão. Chamado de reacionário, pelos circunstantes, diz que não contraria a fama e que "Não sê-lo, em tal mundo, é uma provação,só comparável à de Jó."
Relata que as pessoas falavam sobre o Brasil, e diziam horrores. Referiam-se ao Brasil como "um país de quinta ordem". Respondeu que, em sua opinião, "...até 2000, o Brasil será o que são hoje os Estados Unidos e a Rússia", o que causou escândalo. Um dos convivas perguntou-lhe: "Nelson, você não acha o brasileiro um cafageste?" Diz, então, ter começado a desconfiar "...que o grã-fino não quer nada com o Brasil e vive em exílio na própria terra". Arremata:
"Eis a verdade: - se tivéssemos de fazer um concurso de animais do futebol, o brasileiro teria um franciscano quadragésimo sétimo lugar. Não preciso dizer o que fizeram os ingleses em Paris. Viraram um campo de barriga para o alto. Fizeram um quebra-quebra nunca visto. Continuaram, na rua, as depredações; amassaram para-lamas, estilhaçaram os vidros, viraram carros, arrancaram paralelepípedos. Se me disserem que nas imediações não existiam paralelepípedos, muito bem. Não arrancaram os paralelepípedos. Mas fizeram o resto e muito mais".
Os grandes obreiros são eternos ou, pelo menos, atemporais. Nelson Rodrigues é. Ainda hoje, menosprezamos as coisas do Brasil. Já fomos macacas de auditório das coisas francesas. Até as putas mais concorridas tinham de ser francesas. A dona do bordéu era "Madame". Depois, passamos a copiar os Estados Unidos. Nei Lopes fala disto em "A neta de Madame Roquefort" (http://www.youtube.com/watch?v=M5afIEbwDCI). O sonho de pobre é mudar para os states, fazer fortuna lá... O dos ricos é só fazer compras em Miami. Quem não fala inglês "norte- americano" (estadunidense, corrige a Raïssa) não está com nada. Dizem que é a tal globalização.
Não consigo pensar assim. Acho que será globalização se, um dia, comprarmos produtos estadunidenses, com manuais em português, e vendermos nosso suquinho de laranja, com informações em inglês. Ou o contrário. Mas ter de comprar em inglês e vender em inglês não pode ser globalização, que deve ser via de mão dupla. É imperialismo, mesmo.
Que nem o mineirinho que passou a desconfiar de que é lésbica, desconfio de que sou reacionário.
Imagens: Livro "O Brasil em Campo", Editora Nova Fronteira.
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