Há muitos anos, um professor passou-me uma cópia de um manuscrito do século XIX - que disse ser autêntica - existente no Arquivo da Câmara Municipal de Florianópolis - SC. Penso que o correr do tempo fez confundirem-se a grafia de antanho e a mais moderna. Vendo pelo preço que paguei. Acredito que haja quem se divirta com o texto.
"Ilmo. Sr. Juiz da Paz
Diz José Soares da Cunha, morador no Merim fazenda de Santanna da Villa Nova, que, sendo casado com Anna do Rosário, em face da Igreja, no anno do Império Constitucional de 1830, a vista de Deos e de todo o mundo, por signal que foram testemunhas e padrinhos Antonio da Rocha e Joaquim de Avila, sucedeu que no dia 3 de fevereiro do corrente anno constitucional de 1834, pela oito ou nove horas da noite, ou as que na verdade eram pois alli ninguem tem relogio certo, senão Manoel Teixeira da Silva e o compadre Manoel Borges, tem outro que trocou por uma egua velha que não regula o supplicante e mais moradores, se regula pelo sol, que quando está claro regula bem. Indo a mulher do supplicante muito quieta, para fiar algodão em casa de sua vizinha Gertrudes, viuva do Manoel Corrêa, cuja viuva é muito capaz e não á o que se lhe diga, excepto ser decente, so se for alguma desavergonhadas linguarudas, ciganas que tem muitas nesta Freguesia, do que se for precizo o supplicante as denunciará, para Vossa Senhoria lhe cahir em cima, com todos os codigos da Policia do Imperio, e assim não lhes valerá empenhos nem padrinhos, nem rabulices das Ordenações, porque graças a Deos já foram abolidas as replicas e treplicas, quando lhe sahiu repentinamente na estrada o desaforado José Bento, filho de Joaquim Bento que, se o Senhor Juiz da Paz, soubesse cumprir com as suas obrigações, o fará prendel-o, autoal-o e deportado para Angola, e de repente arrumou uma forte imbigada na mulher do supplicante, que logo a derrubou e sem sentidos com as partes pudendas a mostra, e lhe cuspiu em cima, cujas partes só o supplicante compete ver como couza de sua propriedade, e que recebeu no dia de seu casamento, até a morte, e como chorasse e gritasse muito, acudiu a viuva Marianna, que lhe esfregou arruda e a benzeu, para com muito custo ficar boa, o supplicante não requereu logo o acto de corpo delicto, por ser a pancada em baixo da barriga, entre o imbigo e aquella parte mimoza da geração, que só o supplicante e a parteira podiam ver, e mais ninguém, logo que o tal réo fez a maldade, fugiu, e anda dizendo que foi por brincadeira. E porque a imbigada foi de má tenção, é rixa muito velha, para experimentar se a mulher do supplicante se deitava como pata, para elle galar porém vá galar no inferno, pois a mulher do supplicante não é destas vadias, e sim virgem honrada, que só tem matrimoniado com o supplicante, e com mais ninguém, apezar de ser muitas vezes namorada e seduzida por pessoas de caracter e fardas agaloadas, prometendo-lhe patacões e cordões de ouro, porém ella sempre firme e contente, sem fazer caso disso pois sabe que o supplicante tem atraz da porta uma cotia e um imbigo de boi, com que lhe havia de cossar o lombo, e por isso o supplicante por cabeça de sua mulher quer hoje fazer citar o tal desaforado José Bento, para jurar as testemunhas, que o supplicante apresentar, do desacato, do atrevimento, do desaforo, da pouca vergonha, da imbigada que arrumou na mulher do supplicante, porque foi uma grande felicidade della não estar pejada, senão eram duas mortes, porque abortava. E logo que o supplicante provar o que allega, ser o réo julgado, pelos senhores Deputados jurados, que se acham aggregados na Laguna, e pelo senhor Juiz de Direito, a fim de ser degredado para Lages, com galés e que seja acompanhado com escolta de permanentes que, pelo caminho lhe vae dando imbigadas de cipós bem cortido. O supplicante espera que o Senhor Juiz da Paz desaggravará a sua honra atrozmente ultrajada, por um bigorrilha sem educação.
Marin de Laguna, 28 de Março de 1834.
(Assignado) José Soares da Cunha."
Imagem de Laguna - SC: Cidades Brasileiras.
http://cidadebrasileira.brasilescola.com/santa-catarina/historia-laguna.htm
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