29 de set. de 2018

MILLÔR EM PEDACINHOS - CIDADÃOS COMUNS

Millôr chamou-me à ordem hoje, quando fui repassar seu livro "O MUNDO VISTO DAQUI". Desde aquele indeferimento de habeas corpus impetrado por mais de 140 pessoas em favor de Lula, venho matutando sobre uma expressão que ouvi e li com frequência nas notícias sobre o fato. Agora, revendo Millôr, vejo que minhas preocupações têm fundamento. Vamos começar pela tal expressão, sempre transcrevendo escritos e falados, colocando a expressão em destaque (há outros destaques em alguns originais).
Do Jornal Nacional de 11/07/2018: "A presidente do STJ negou essa quantidade de pedidos de uma só vez porque eles eram idênticos, só mudavam os dados pessoais de quem assinou cada um. Foram assinados por cidadãos comuns pedindo a liberdade do ex-presidente...".
De "O GLOBO", 11/07/2018 (https://oglobo.globo.com/brasil/presidente-do-stj-nega-143-habeas-corpus-em-nome-de-lula-critica-pedidos-22875424): "BRASÍLIA - A presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministra Laurita Vaz, negou 143 habeas corpus apresentados por cidadãos comuns em nome do ex-presidente...".
De G1, 06/04/2018, gravação de Nilson Clava (https://g1.globo.com/politica/noticia/assessoria-do-stj-nega-que-tribunal-tenha-emitido-decisao-sobre-habeas-corpus-de-lula.ghtml): "Na verdade, o habeas corpus que foi rejeitado pelo Superior Tribunal de Justiça não foi um habeas corpus impetrado pela defesa do ex-presidente Lula, e sim o habeas corpus que foi impetrado por um cidadão comum, por um advogado, esse sim foi liminarmente rejeitado até por conta do objeto dele...". NOTA: esse hc é diverso daqueles 143, foi anterior aos mesmos.
De O GLOBO, 10/07/2018 (https://oglobo.globo.com/brasil/stj-recebe-avalanche-de-pedidos-de-habeas-corpus-favor-de-lula-22870639): "BRASÍLIA - O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu, nesta segunda-feira ao menos 145 pedidos de habeas corpus em favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os documentos são assinados por pessoas comuns, e não pelos advogados do ex-presidente".
De brasil 247 (https://www.brasil247.com/pt/247/brasil/361263/Em-apenas-um-dia-STJ-recebe-145-pedidos-de-habeas-corpus-para-Lula.htm): "O dia seguinte a celeuma que marcou o final de semana acerca da decisão que determinou a liberdade do ex-presidente Lula, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) recebeu cerca de 145 pedidos de habeas corpus, assinados por cidadãos comuns, em favor de Lula;...".
Em sua decisão, a Ministra assinalou (https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/wp-content/uploads/sites/41/2018/07/DECIS%C3%83O.pdf): "Contudo, não é a consagrada ação constitucional de habeas corpus - que pode ser subscrita por qualquer pessoa, conforme art. 654 do Código de Processo Penal - a via própria para se manejar 'atos populares', notadamente como o que a petição inicial traz, sem qualquer substrato jurídico" (destaque do cadikim).
Ora direis: mas o que o Millôr tem a ver com isso? Tem tudo, uai! Vamos lá: primeiro que tudo, não venho aqui discutir o cabimento da decisão, nem mérito, porque nem conheço o teor do pedido e nem me permitem meus parcos conhecimentos. Não tenho bola para discutir com a Ministra, nem com os comentaristas. Muito menos dedico-me a discutir "esquerda", "direita", "centro", porque acho desagregador. O que me grilou foi aquilo que considero uma contradição: a Ministra afirmou que hc pode ser subscrito por qualquer pessoa; os comentaristas utilizaram, recorrentemente, a expressão cidadãos comuns. Uai, pensei eu: se temos cidadãos comuns, quais são os cidadãos incomuns? Imaginei que a Constituição Federal abomina a desigualdade, a discriminação. Logo, ninguém havia que se referir a cidadãos comuns, parecendo indicar como se fosse motivo para indeferir um hc, decisão que não me atrevo a discutir. Para mim, a discussão está muito acima: afinal, essa tal de cidadania é coisa séria mesmo, ou a existência de cidadãos incomuns está arraigada no imaginário das pessoas, até de comunicadores de prestígio (não sei se a expressão cidadãos comuns foi utilizada alguma vez pela Ministra).
Millôr chamou-me às falas: o que é que você está pensando, seu bobo! Veja a minha charge, aí, produzida em 1981! Não vê qualquer coincidência com pessoas vivas ou mortas?
Uai, sô! Vejo-me obrigado a reproduzir a charge.


Do livro "O MUNDO VISTO DAQUI" (1980-1983), de Millôr Fernandes, pág. 108.
Fernandes, 

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