10 de out. de 2019

A INTOLERÂNCIA NÃO ESTÁ SÓ DE UM LADO

Bandeiras dos países de língua oficial portuguesa.
Bandeiras dos países de
língua oficial portuguesa
Não me quero envolver em politicagem. Mas a políticagem me envolve, ainda que eu preferisse que a política fosse tratada como coisa séria. Não me esqueço de um ensinamento que me foi passado por René Goscinny, no episódio "O Caldeirão", da série "Asterix o Gaulês". A aldeia dos indomáveis gauleses recebia a visita de um chefe vizinho, com quem os irredutíveis não se relacionavam bem, porque esse chefe negociava com os romanos de Júlio César, que tinha como ideia fixa conquistar toda a Gália, mas esbarrava na bravura dos habitantes daquela aldeia e na poção mágica de Panoramix - druida mega campeão do Festival de Druidas que era realizado anualmente, na Floresta dos Carnutes. Pois bem: os súditos de Abracoursix - o colérico e bravo chefe - torceram os narizes (grandes, como narizes gauleses) à visita e não queriam receber o chefe visitante. Abracoursix foi taxativo: "quando um chefe gaulês recebe outro chefe gaulês, o protocolo deve ser observado" (mais ou menos isso, este sentido).
Ainda como introito, digo que, em minhas lides militares, observava que, se o comandante gostava de determinada atividade, a unidade que comandava ia bem naquele quesito; se não gostava, ia do jeito que Deus provia. Costumava eu dizer que "comandante não tem gostar", tem de "pegar geral as atividades submetidas a seu comando".
Mas por quê e pra quê essa lereia toda?
Acontece que acordei com a notícia de que o Presidente da República disse que não assina (agora, pareceu-me) o diploma relativo ao Prêmio Camões de Literatura, outorgado a Chico Buarque de Hollanda. Assustei-me com que o Sr. Presidente entenda de ignorar o "chefe gaulês" da terra de Camões e mesmo a comissão mixta encarregada da outorga do prêmio que consagra autores da língua portuguesa, composta por representantes do Brasil (2), de Portugal (2), de Moçambique (1) e de Angola (1). Susceptibilidades e idiossincrasias à parte, vejo que cada vez mais as simpatias e antipatias políticas estão atravessando fronteiras da convivência (o facebook está cheio!). Nem vou discutir isto!
Mas o cadikim tem um título, pô! "A intolerância não está só de um lado".
Pois não é que, fuçando a rede para tentar entender o assunto, encontro: "Morrissey expulsa manifestantes de esquerda de seu show" (https://www.diariodocentrodomundo.com.br/entretenimento/morrissey-expulsa-manifestantes-de-esquerda-de-seu-show/). Ora direis: mas esse tal Morrissey é de direita, uai! Não é a mesma coisa? Não está do mesmo lado do Presidente?
Penso na contramão: o Presidente, de direita, abominando os artistas de esquerda, recusa o aperto de mão a Portugal, Moçambique e Angola, contrariando a máxima de Abracoursix. O artista - que pertence a uma classe que ordinariamente se alinha à esquerda - pode também ser um radical de direita e não só abominar a esquerda, mas agir de modo a expulsá-la de um espetáculo artístico.
Por fim, penso que o mundo poderia ficar um pouquinho menos ruim se Chico Buarque abstraísse a pessoa de Jair Messias Bolsonaro e fizesse baixar neste o Presidente da República, que representa a Nação que adora Chico e que o estaria homenageando.
É! Acho que vão ser necessárias muitas encarnações para que eu consiga inserir-me no contexto. Sou um "sem turma"!


Imagem: Biblioteca Nacional.
https://www.bn.gov.br/acontece/eventos/2017/06/divulgacao-vencedor-premio-camoes

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