16 de jul. de 2021

É PRECISO CONHECER SATISFATÓRIAMENTE O ASSUNTO. OU, ENTÃO, VALER-SE DE ASSESSORIA CAPAZ

Costumo acompanhar, pela tv, já há algum tempo, algumas sessões de CPI ou de
processos de impedimento de presidente. Tenho discordado, em várias oportunidades, de determinadas intervenções. Tenho entendido, não poucas vezes, que inquiridores não entendem bem do que estão falando, ressalvando erro meu de avaliação, já que, em determinadas horas, penso que foi inútil o pouco que aprendi de direito, muita coisa parece-me ter sido mudada ou, então, está mal aplicada. Também não tenho visto a prática do ritual do art. 210 do Código de Processo Penal - advertência prévia, pelo juiz, das penas cominadas ao crime de falso testemunho.

Na sessão de ontem, o senador Marcos Rogério, inquirindo o sr. Cristiano, perguntou-lhe se sabia da proposta de propina (o saber poderia referir-se a outra coisa, não me lembro bem). Em face de resposta positiva, afirmou para esse senhor que poderia ser preso em flagrante, por prevaricação, posto que sabia que um crime estava sendo perpetrado e não denunciou. O senador obtemperou que não iria dar-lhe voz de prisão, eis que discorda da medida (não falou em impedimento legal mas em postura pessoal). Uma boa alma gritou de algum lugar da sala (só ouvi o som), uma afirmação de que o depoente é da iniciativa privada. Pois bom: proponho-me confrontar essa situação com o que leio em legislação vigente.

Primeiro, vamos ao Código Penal Brasileiro. No TÍTULO XI, a epígrafe "DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA § CAPÍTULO I § DOS CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL".

Penso que a pessoa que gritou "o depoente é da iniciativa privada" tinha motivos. O crime de prevaricação (Art. 319 e Art. 319-A) é típico para funcionário público. Datíssima máxima vênia (juridiquez de mais alta hierarquia), penso que o senador deveria procurar um motivo para prisão no CAPÍTULO II do referido TÍTULO, o qual trata dos crimes praticados por particular contra a administração pública em geral.

Dirijamo-nos, agora, ao Código de Processo Penal (CPP). Diz-nos a parte final do Art. 210 da obrigação do juiz relativamente à testemunha: "...devendo o juiz adverti-las das penas cominadas ao falso testemunho". Já o Art. 211 revela-nos que "Se o juiz, ao pronunciar sentença final, reconhecer que alguma testemunha fez afirmação falsa, calou ou negou a verdade, remeterá cópia do depoimento à autoridade policial para a instauração de inquérito". Deduzo que não há hipótese de prisão em flagrante, por juiz (a CPI tem competência judicial). Ora direis: e o artigo 58, § 3º da Constituição? Transcrevo, para estarmos de acordo com que falamos a mesma lígua: "As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores". Ora, se o CPP impõe ao juiz a obrigação de, em sentença final, remeter cópia do respectivo depoimento à autoridade policial, para instauração de inquérito, se reconhecer que a testemunha obrou em falso, então haverá a CPI  de fazer assim também. A exceção que encontro, da possibilidade de o juiz prender a testemunha está no parágrafo único do citado artigo 210: "Tendo o depoimento sido prestado em plenário de julgamento, o juiz, no caso de proferir decisão na audiência, o tribunal, ou o conselho de sentença, após a votação dos quesitos, poderão fazer apresentar imediatamente a testemunha à autoridade policial".

Tem-se que o plenário da CPI não é de julgamento. Penso, pois, que não se pode valer desse dispositivo.

Muito menos constranger a testemunha, ameaçando-a de prisão em flagrante.

Penso que o senador Marcos Rogério perdeu por 3 x 0: nem o depoente poderia estar praticando o crime de prevaricação, nem poderia ter sido preso por crime que não praticava. E não bastava eventual "confissão" para assegurar que era verdeira. Carecia de prova.

Ilustração, caso concreto: em audiência do Juízo Criminal Federal da Vara de Uberlândia, o Juiz Jirair Aram Meguerian inquiria uma testemunha, político que exercia ou exercera cargos relevantes na administração pública. Essa testemunha dizia que havia sido constrangida a fazer determinada declaração, em outra sede. Em determinado momento, o Juiz disse-lhe mais ou menos o seguinte: não acredito que, sendo o senhor pessoa de destaque no cenário político, tenha sido constrangido a dar determinada declaração. Aconselho-o a ter cuidado em seu depoimento, para evitar que possa sair daqui indiciado por falso testemunho. A testemunha prosseguiu em suas declarações, o Juiz mandou registrar e encerrou a audiência. A testemunha foi denunciada pelo Ministério Público Federal, por crime de falso testemunho. O Juiz não prendeu, não ameaçou prender, nem prendeu. Observação do redador: advertir é bem diferente de ameaçar.

Sub censura, como gostam os pareceristas jurídicos.


Imagem: reconta aí.

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