15 de out. de 2020

DONA MARIA DO CARMO MELLO E SILVA - A PROFESSORA (1947)

Costumo dizer que me considero muito bafejado pela sorte. Tudo começou quando nasci filho de Dona Ephigenia e do "seu" Dante. Dona Ephigenia era durona, trabalhava muito e gostava de artes e de participar dos estudos dos filhos. Ora direis: e seu pai? Era uma pessoa diferente, muito voltado aos prazeres sociais da vida, trabalhador dedicado, ótimo profissional. Mas não me lembro de ter-me ensinado alguma coisa, nem de me impor que estudasse, como Dona Ephigenia fazia. Minha irmã mais velha - segunda na ordem - e minha madrinha, diz que puxei muito ao papai. Convivera pouco com ele, pais separados, tempo em que a convivência íntima entre filhos e pai fora de casa era limitada por dificuldades espaciais. Dona Ephigenia sempre recomendava - mandava mesmo - que o visitássemos. "Seu" Dante passeava conosco (falo dos três mais novos), foi com ele que conhecemos restaurantes, o Bar Simões, na avenida Afonso Pena, passeios na Pambulha (muito longe, naquele tempo dos bondes)... Mas a interação não era a mesma, no que dizia respeito aos estudos. Um mau pai? Geito nenhum! Aprendi a admirá-lo mais quando atingi a meia idade (naquele tempo, muito abaixo dos conceitos atuais). "Seu" Dante, vítima da paralisia infantil, tinha deficiências nas duas pernas. Dificuldades com o equilíbrio. Mas nunca o vi trabalhar sentado. Alfaiate, via-o sempre de pé diante do grande balcão, cigarro fumado pela metade e apagado no canto da boca, cortando ternos e calças, para distribuir para os "oficiais" e as "calceiras". Era considerado um dos maiores craques no ofício. Ao pensar sobre isto, vi que, tanto quanto Dona Ephigenia, transmitira aos nove filhos saudáveis hábitos de trabalho e superação de dificuldades, sem ter precisado fazer preleções sobre isso. Todos trabalhadores e sem medo da vida difícil. Dona Ephigenia era diferente: dizia-se rústica. E era. Trabalhava duro no que fosse preciso, pegava no pesado e no leve (costureira, produzia trajes de alta categoria). Ótima administradora, "criou" vagas de trabalho para os filhos adolescentes, organizando horta e criando galináceos e porcos. Artista, mostrava- nos os mundos da música, dos carnavais, do circo e da literatura, principalmente. Participou intensamente de meus estudos. Gostava de ensinar - ensinou a muitas crianças e jovens, que passavam pela nossa casa, os caminhos do saber, alguns procuraram-na, mais tarde, agradecendo as oportunidades que o conhecimento lhes abriu. Eu estudava em uma parte de sua mesa de costura. Sempre com a ajuda e as exigências dela (uma era a obrigatoriedade de ter sempre um dicionário ao lado). Gostava de ver-me estudando latim, dizia que era muito parecido com o italiano (filha de imigrantes). Vi-a ensinando a profissão de costureira a muitas colaboradoras.

A sorte não parou por aí. Em 1947, sete anos de idade completados em outubro do ano

Grupo Escolar "Barão de Macaúbas"
anterior, fui estudar no Grupo Escolar "Barão de Macaúbas", Belo Horizonte, bairro Floresta. Minha primeira professora, fora de casa, foi Dona Maria do Carmo Mello e Silva. Ótima didática, exigente e atenciosa. Tive a sorte - mais do que de encontrá-la pelo caminho - de tê-lo percorrido com ela durante os quatro anos da escola primária. Base sólida.

Tenho-a na memória ainda hoje, cheio de agradecimentos e de boas lembranças.

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