14 de out. de 2013

MANÉ GARRINCHA DETETIVE

É João Saldanha quem conta. Para os jovens, João Saldanha - o João Sem Medo - foi jornalista e técnico de futebol, no Botafogo e na Seleção Brasileira. Classificou-a para a Copa de 1970. Consta que foi sacado porque, quando um presidente da República, na ditadura, quis forçar a convocação de um jogador, declarou que "ele" mandava no governo e "eu" (João, claro) mando na seleção.
Deu-se que o Botafogo, em excursão pela Europa, estava em Herlen, no sul da Holanda. Tião Macalé foi à rua e voltou com um rádio de pilhas muito bonito. Chicão cismou de ter um igual, fez um vale de cinco mil cruzeiros com o chefe da delegação - General Saddock - que, equivocadamente, fez o cálculo de câmbio com base no franco velho e entregou ao Chicão vinte e cinco mil florins, o que equivalia a um milhão de cruzeiros, para o jogador comprar um radinho de pilhas. Chicão, que não manjava do câmbio, achou que o florim era um dinheirinho, "tão grande e valendo tão pouco". Acompanhado por Tião Macalé, Chicão foi realizar o sonho de consumo. Deu a maior bronca. Na hora de pagar o radinho, o comerciante apavorou-se com tanto dinheiro. Acabou dando polícia na parada, os dois voltando escoltados para o hotel. Muita discussão, os policiais queriam conversar com quem havia entregado o dinheiro ao Chicão, com mais ninguém. Só que o general havia saído e não voltava. Os policiais disseram que dispunham de tempo e se a pessoa que desejavam ouvir estava hospedada ali, haveria de voltar. A demora em chegar o general incomodava. Andava sempre com todo o dinheiro em um bolso escondido na ceroula. A coisa estava tensa, alguém levantou a hipótese de que algum malandro tivesse encontrado o chefe da delegação e o tivesse assaltado.  Garrincha estava investigando o caso e foi interrogar o Tião.
Daqui para diante, o texto é de João Saldanha:

"Nem vivo, nem boiando num canal daqueles, 'com uma tulipa na boca', como havia dito  Garrincha, que estava investigando o caso e foi interrogar o Tião:
- Ô, crioulo? Vocês tungaram o General?
- Que é isso, Mané? Vai tomá banho. Não chateia - respondeu o Tião irritado.
Mas Mané prosseguiu agressivo no interrogatório:
- Você jura que não foi? Quer ficar cego?
- Juro por essa luz que me alumia - respondeu Tião quase chorando.
Mané virou-se para nós e falou convicto:
- É. Não foram eles mesmo. Senão, o Tião não jurava.
O Mané disse isto porque uma vez, tempos atrás, logo que o Tião veio para o Botafogo, o Mané perguntou-lhe:
- Ô crioulo, você lá na Portuguesa anda metido com aquele cara, com aquele goleiro que era meio afeminado. Me contaram isto. Estou mentindo?
- Que é isto Mané? Então eu lá sou gente de andar metido com boneco. Eu não ando com homem, não. Meu negócio é mulher. Que é isso? - respondeu o Tião dando um risinho.
Mas Garrincha insistiu engrenando sua 'terrível' segunda:
- Então você nunca andou com aquele boneco? Você jura? Qué ficá cego?
Tião saltou:
- Eu não quero ficar cego, não... quem é que quer ficar cego.
- Andou com o boneco ou não? Confirme ou desminta! Se você está mentindo, qué ficá cego? - agrediu Mané como se fosse promotor.
- Ora Mané, deixa de brincadeira... eu, hein? - falou Tião, saindo de mansinho para fora do vestiário e Mané gozou:
- Eu manjo este cara. Viram como eu pego ele. Ele tem medo de Saci. Cara que tem medo de Saci, é só falar se qué ficá cego, que eles dão o serviço. Papai é o maior detetive - disse Garrincha com ar superior."

Fonte: Livro "OS SUBTERRÂNEOS DO FUTEBOL", de João Saldanha.

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