21 de mai. de 2020

DENTRO DE UM HOSPITAL TODO MUNDO É CARENTE


LEVE UMA FLOR









Quando for ao hospital,
leve uma flor.
Pode ser branca, lilás ou amarela.
Ofereça-a ao primeiro que encontrar,
seja quem for,
pois qualquer um, ali,
precisará  urgentemente dela.

Se for dá-la a um doente crônico,
que ela tenha o perfume mais suave e penetrante,
para livrá-lo, ainda que por um instante,
do cheiro dos remédios
que, insistentemente, sente
impregnado em seu corpo
e em sua mente.

Se for dá-la a uma criança,
que a flor cheire a esperança,
que vontade de viver
ninguém tem mais
do que uma criança.
Se for menino,
que o leve pelos campos
a cavalgar corcéis imaginários,
soltar papagaios, balões, folguedos vários.
Se for menina,
que lhe adorne a trança da boneca,
ou que a possa trazer
presa ao cabelo,
num laço muito enfeitado;
ou guardá-la, com desvelo,
dentro de um livro,
junto ao bilhete
do namorado.

Se for dá-la a u'a mãe,
que a flor seja uma criança
com cheirinho de marcela.
Uma criança que ela
faça dormir, com enlevo,
faça brincar, com ternura,
faça crescer, com esperança
de ser eterna criança.

Se for dá-la para um pai,
que seja um gol do Pelé
jogando na seleção.
Ou um gol de mão, até,
em jogo de decisão.
Porque o gol - foi-lhe ensinado -
é o momento maior,
que deixa o pai liberar
emoções de toda sorte,
que guarda abafadas no peito,
já que não tem outro jeito
pois um pai tem de ser forte!

Se for dá-la a um ancião
(e por que não?),
seja ela firme rochedo
em que ele possa sem medo,
lançar ansiosa âncora.
Se for fraco o ancorar
e a ânfora se esvaziar,
que a flor possa agora, então,
tornar-se - qual feiticeira -
mar manso pra navegar,
sem que lhe pese o timão
na viagem derradeira.

Se for dá-la a um doutor,
realce toda a beleza
que a pureza de uma flor
pode conter.
Não deixe que suas pétalas
em inúteis moedas se transformem,
para que seu tilintar não lhe repita
a odiosa rotina
de vender, a todo dia,
aos que vivem de temer a morte,
a sua medicina.
Faça a beleza da flor transportar, apenas,
na evocação dos prados,
as preces dos curados.

Se for dá-la à enfermeira,
faça-a flor alvissareira
dos cuidados dos doentes.
Que cada pétala seja
uma conta de rosário
passada, de dedo em dedo,
pelos bebês, no berçário,
pelos pais, nos escritórios,
pelas mães, nos oratórios.

Se for dá-la a um poeta,
a flor deve ser completa,
misturar de tudo um pouco:
pai, mãe, filho, namorada,
lírico herói, vilão, louco,
trocando o mundo por nada.
Na haste, cordas de lira,
nas pétalas, um diadema
em que o poeta se mira
e toma a flor como tema.

Se for dá-la a um demente,
diga-lhe, tão somente,
que a flor será, exatamente,
qualquer coisa que imaginar que seja:
estrela cadente, lua,
paraquedas, picolé...
... uma torta de cereja...
Não conte a verdade nua!
Não lhe diga que é uma flor!
Pois quererá comê-la
ou saltar com ela
pela janela.

Se for dá-la para mim,
prefiro que seja um jasmim
que cheira cheiro de noite,
de flautas, violões, luar,
de balcões, onde donzelas
em camisolas - tão belas! -
venham meu canto escutar.
Mas se for rosa amarela
ou outra rosa qualquer,
será mui bem recebida.
Mas ponha, sempre, atenção:
não leve tristeza sentida,
comiseração ou dor.
Leve apenas uma flor!

Imagem: Rosângela_Aliberti.
https://www.rosangelaliberti.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=6108

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