15 de mai. de 2020

MEDIDA PROVISÓRIA: DESCRIMINALIZAÇÃO NA PANDEMIA

Vem de ser editada a MP 996, de 13 de maio de 2020. Na ementa:
"Dispõe sobre a responsabilização de agentes públicos por ação e omissão em atos relacionados com a pandemia da covid-19".
No texto:


Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente,  com as medidas de: I - enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia de covid-19; e II - combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia da covid-19.

Adiante, a MP indica condições que deverão incidir em ato que possa ser definido como delituoso, para que possa ser enquadrado na exceção a que se refre o art. 1º.
A primeira observação que faço é no sentido de que é uma medida discriminatória. Há hospitais e profissionais de saúde particulares envolvidos nas ações de enfrentamento da covid-19, além de várias outras categorias. Atuam na mesma atividade dos servidores públicos referidos, sujeitos aos mesmos riscos e não estão enquadrados na lei, que se refere exclusivamente a estes.
Verifico, também, que o Ministro da Saúde não assinou a MP, que envolve a respectiva área, enquanto que, no que tange à economia, o Ministro da Economia assinou com o Presidente.
Vi e ouvi o ministro Paulo Guedes dizendo que, no passado, houve roubalheira envolvida em atividades de servidores e empresas privadas, o que está inibindo atuais servidores de executar tais atividades, temerosos de serem envolvidos em algo negativo. Não vi qualquer exposição de motivos sobre a participação de pessoal da Saúde, mesmo porque o Ministro correspondente não estava dentre os entrevistados.
Não houve explicação para a ausência do Ministro da Saúde na MP. Dentre alguns conceitos que absorvi de Deepak Chopra, aquele afirmando que o não manifesto é o campo de todas as possibilidades e da criatividade infinita. Passei a pensar, então, que fatores teriam determinado a edição da MP. A primeira coisa que me veio à mente foi a Cloroquina. Controvérsias sobre a viabilidade do uso, no tratamento da covid-19, eis que não há prova científica da eficácia e que efeitos colaterais podem piorar a situação do doente. Ora direis: mas a MP nem fala de Cloroquina. Concordo. A MP não, mas Bolsonaro tem falado com grande frequência, com afirmações da probabilidade de efeitos positivos, quase como se estivesse receitando. Circunstâncias que estão dando ensejo a referências várias a que Bolsonaro incide na prática de crime de "exercício ilegal da medicina", art. 182 do Código Penal.
Ah! Então é isso? S. Exa. insiste em implantar o uso mais amplo da droga no tratamento da covid-19. Se conseguir e der zebra, estará fora do alcance da lei penal.
Só isso? Não! Já se pensa em judicializar o assunto (não sei se já está feito). Isto irá provocar muito trabalho de setores do governo que têm um problema muito grande pela frente. Este advogadim de província acha que essa MP é absolutamente desnecessária e pensa que o que está sendo feito é para "balançar moita", causar desassossego e desvio de atenção do foco principal. Explico.
O Código Penal, em seu art. 23, prescreve que não há crime quando o agente pratica o ato: I - em estado de necessidade: II - em legítima defesa; III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Ora, todos os profissionais, públicos ou privados atuando no enfrentamento da covid-19 estarão protegidos, desde que estejam exercendo o dever legal de atender doentes, considerando o rol das atividades envolvidas. A restrição é uma só: há que ser no estrito cumprimento. Atuar conforme os protocolos das respectivas profissões.
Penso que esse dispositivo envolve os profissionais, sem discriminação dos trabalhadores do setor privado. E penso que, de pronto, deixa fora do guarda chuva o Presidente da República, que alardeia o uso de droga não indicada nos protocolos, a não em casos gravíssimos, que penso envolver a escolha "ou toma e pode ser que não morra, ou não toma e morre". Mas decisão deste tipo é da competência exclusiva de médicos que, na generalidade dos casos, pedem a autorização da família.

Imagem: https://www.tudocelular.com/seguranca/noticias/n155037/coronavirus-testes-cloroquina-interrompidos-mortes.html

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