23 de jun. de 2016

A ACEITAÇÃO DA DENÚNCIA CONTRA BOLSONARO E O DECORO PARLAMENTAR

Ab initio, como gostam os juristas bacanas, aviso que não tenho qualquer simpatia pelo Deputado Jair Bolsonaro. Meu comentário volta-se muito mais para a qualidade da informação a respeito dele, de modo que o povo esteja sabendo, de fato, do que se está tratando (aviso também que a nada sou candidato, nem me pretendo candidatar; este aviso é porque muita gente que toma partido qualquer é logo confundida com ambicioso político partidário).
A polêmica está no ar: o STF recebeu a denúncia contra o deputado Jair Bolsonaro, incluindo incitação ao estupro. Pelo pouco trabalho que este advogadim de província se deu a pesquisar, não encontrou tipificação específica do crime de "incitação ao estupro", que é o termo que está correndo pela mídia. Encontrou, então, os crimes previstos no art. 286 e no art. 287, adiante:


Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Art. 287 - Fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena: detenção, de três a seis meses, ou multa.

Vamos verificar o significado dos tipos penais indicados nos dois artigos. Peço socorro ao Aurélio.

Incitar. V. t. d. 1. Instigar, impelir, mover. 2. Estimular, excitar. 3. Provocar, suscitar, ocasionar. 4. Açular, instigar (um animal). T. d. e i. 5. Instigar, mover, compelir: incitei-o  a publicar o livro.6. Estimular-se, excitar-se. 7. Irritar-se, encolerizar, enfurecer-se.

Observe-se que podemos excluir, para discussão do caso, os itens 6 e 7, posto que a ação é reflexiva, não sendo possível incitar a si mesmo.

Apologia. S. f. 1. Discurso para justificar, defender ou louvar. 2. Encômio, louvor, elogio.

Como se vê, os tipos são "incitação à prática de crime" e "apologia de fato criminoso ou autor de crime", genericamente.
Não vi, nas palavras de Bolsonaro, transmitidas pela tv, qualquer ação no sentido de estimular, ou compelir, ou instigar alguém a estuprar outrem. Nem no sentido de defender ou louvar a ação de estuprar.
Não estaria discutindo este assunto se não fosse aspecto que entendo mais relevante: a questão do decoro parlamentar. Ouvi as palavras de Bolsonaro, na tribuna do Parlamento. Extremamente grosseiras, agressivas, até indecentes. Já vi e ouvi outros pronunciamentos do mesmo deputado, sobre outros assuntos, que também considero agressivos e, no contexto geral, indecentes.
Por que, então, levar o deputado ao STF, para, sem certeza, conseguir uma condenação que, se vier a ocorrer, será de entre três meses de detenção (nada que algumas cestas básicas não resolvam) a multa, se um processo por quebra de decoro parlamentar poderia causar muito mais estrago?
Se isso ocorresse, poderia haver de ser tratada, também, eventual conduta da deputada Maria do Rosário. Apressados poderão acorrer, defendendo que a "vítima de estupro" não pode ser logo considerada "culpada". Nada disto. A deputada não foi vítima de estupro.
Já encontrei negativa de que a deputada tivesse taxado Bolsonaro de estuprador. Só que ele afirmou isto e que ocorreu no salão verde da Câmara. Textualmente: "Há poucos dias tu me chamou de estuprador, no salão verde, e eu falei que não ia estuprar você porque você não merece" (http://g1.globo.com/politica/noticia/2016/06/bolsonaro-vira-reu-por-falar-que-maria-do-rosario-nao-merece-ser-estuprada.html). Ora, a simples negativa da deputada não pode servir à exclusão da possibilidade do fato que, se verdadeiro, é muito grave. É claro que, para provar as palavras de Bolsonaro, basta ouvir o vídeo. E para provar a ação da deputada poderá nem haver testemunha.
O que existe de concreto é que estamos vivendo um período em que há xingamentos de parte a parte, desde entre correligionários políticos de facções diferentes até entre deputados e senadores. Há poucos dias, ouvi dois "pralamentares" trocando mimos em plena sessão: ladrão, vagabundo eram expressões que foram cuspidas de lado a lado.
Estamos, pois, diante de um fato muito mais grave: a falta de ética e de decoro, tanto nas manifestações partidárias de meros correligionários como naquelas casas que deveriam estar podendo ser escritas com letras maiúsculas, mas que, a cada dia, apequenam-se. Sem nem precisar tocar em assuntos de corrupção.


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